Modulares ressurge com o novo EP ‘Desvios’ — Nada Pop

Eduardo Ribeiro
4 min readNov 21, 2023

Retomada do processo de gravação foi ponto chave para a banda, representando uma nova fase marcada por sonoridade atemporal

Foto: Mateus Mondini

Modulares, uma das representantes mais autênticas do rock underground paulistano, constituída por Jun Santos (voz principal e guitarra), Pedro Carvalho (guitarra e voz), Gabriel Guerra (baixo e voz) e Fábio Barbosa (bateria), aparece com novas músicas no lançamento do EP “Desvios”. A pausa de cerca de seis anos sem gravações inéditas foi interrompida pela obra, anunciando não apenas um retorno, mas a celebração dos reencontros periódicos entre os membros do grupo.

“Adoramos estar juntos, ensaiar, gravar, fazer shows. Não fazemos mais tudo isso com tanta frequência”, comenta Jun Santos em entrevista ao Nada Pop. A colaboração entre os selos Discos Além e Maxilar ajudou a viabilizar o EP. Com o Discos Além, a proposta veio do jornalista Pedro Brandt, dono do selo. Já no caso do Maxilar, Jun destaca a figura marcante de Gabriel Thomaz (Autoramas): “Ele sempre gostou do nosso trabalho. Ele nos procurou, aceitamos de primeira e essa parceria se firmou.”

O EP, além de apresentar duas composições originais — a faixa-título e “Por Entre os Edifícios” -, traz versão de “Sonhando”, de Edgard Scandurra e Ciro Pessoa (fundador dos Titãs). “Eu conheci essa música em uma das lives temáticas que o Edgard fez durante a pandemia. A última live era sobre o Ira! Antes de tocar ‘Sonhando’, ele contou a história da música, que era dos primórdios do Ira!, e que nunca havia sido gravada”, explica Jun.

Outra faixa notável do play é “Cenas das Ruas”, homenagem aos amigos do Tarja Preta, de Curitiba. O vocalista e guitarrista compartilha o emocionante pano de fundo da escolha: “Desde a primeira vez que ouvi ‘Cenas das Ruas’ eu já adorei. Sempre falava para o Rafa [vocalista] que um dia tocaria ela com os Modulares. Infelizmente, o nosso irmão Rafael se foi muito precocemente, vítima de um câncer.”

As sessões no gabaritado estúdio El Rocha refletem a busca por qualidade e uma experiência familiar. Jun sublinha a importância da decisão para a sonoridade resultante. “Gravar no El Rocha foi incrível, um verdadeiro sonho mesmo para nós. A estrutura daquele lugar é absurda, as salas, os ambientes, as aparelhagens, instrumentos à disposição… é tudo muito foda lá”, elogia.

A respeito da evolução artística ao longo dos anos, o músico expressa orgulho. “Desde o fator gravações até o fator composições”, observa ele. “Também conta o fato de termos uma formação mais duradoura. Com o brilhante baixista Gabriel Guerra fechamos uma base sólida e muito entrosada, tanto em estúdio como nos shows.”

BAGAGEM

Apesar de sua herança mod, movimento surgido na década de 1960 no Reino Unido, caracterizado por influências musicais como o soul e o rhythm and blues, somadas ao interesse por moda, scooters e uma forte presença urbana, Jun faz questão de pontuar que o quarteto não se limita a rótulos e gêneros específicos. “Somos uma banda que, de forma natural, fomos juntando as nossas referências e conseguimos fazer o ‘Som Modulares’. Não estamos presos a fórmulas, simplesmente fazemos o nosso som”, brada.

Independente disso, ouvidos escolados notarão, enquanto ouvidos não escolados talvez gostem de saber, que a identidade dos caras vem de uma ebulição intrincada de retalhos que, como declara Jun, extrapolam fronteiras, proporcionando experiência auditiva bem cativante. É por trás dessa fusão que se entrelaçam os ingredientes de um tecido atemporal.

Inspirados, portanto, pelo mod britânico, da primeira onda e também do revival que teve nos anos 1980, o punk, o pós-punk e o power pop, a banda transcende as barreiras da estagnação criativa no mesmo compasso em que reprocessa sons do passado. Ao vivo, a entrega pode ser descrita como uma explosão de energia, com bases super ritmadas que exploram os sabores e dissabores da vida na cidade. “Desvios” é, sobretudo, um testemunho desse caldeirão de informações e sentimentos acumulados pelos músicos.

Após o lançamento do EP, a Modulares projeta seus próximos passos. “Gostaríamos de atingir públicos diferentes, tocar em festivais por aí, conhecer bandas diferentes, sair dessa bolha em que estamos por tantos anos”, desabafa Jun, ao se demonstrar incrédulo a todo o lance de o conjunto ser possível representante sobrevivente de uma tal “cena mod” brasileira, a qual ele afirma nunca ter existido.

Em sua visão, crítica e realista, ele expressa que, na verdade, de tempos em tempos, aparecem projetos com alusões a essa subcultura, e algumas pessoas se identificam e participam ou agilizam umas festas e shows. No entanto, ressalta que falar em cena mod é diferente. Para ele, muitas vezes, o tema recebe abordagens caricatas, sem um embasamento sólido ou conhecimento profundo acerca do movimento.

Jun menciona que, frequentemente, quem se autointitula mod no Brasil acaba, na real, adotando imagem mais próxima de um cosplay do que de uma compreensão da subcultura. De qualquer forma, caso um dia exista “cena mod” por aqui, ele não escapará de ser citado como alguém com papel significativo na parada. Além de mandar um som com a Modulares desde 2007, foi um dos idealizadores do Laboratório SP, que, ao lado do Ira!, em certo momento, The Charts, Faces & Fases e alguns outros bravos nomes, acendeu a fagulha do espírito mod que alguns poucos de uma geração puderam viver em São Paulo, ainda que sob romântica ilusão.

Isso já faz uma cara, são apenas histórias para se lembrar. A história da Modulares, por outro lado, segue, e o seu futuro está para ser escrito, marcado pela paixão inerente a cada palhetada.

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Originally published at https://nadapop.com.br on November 21, 2023.

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Eduardo Ribeiro

Editor @ Estadão Publishing House. Jornalista desde 2004, comecei no Grupo Estado. Passei pela MTV, Agora São Paulo, R7, VICE e Metro.